Como ‘Zelda: Breath of the Wild’ influenciou meus RPGs

I – A Importância do Senso de Aventura

Com vários anos de RPG nas costas e jogando com frequência é fácil não perceber que os jogos as vezes se tornam rotina. No começo estamos todos empenhados e imersos, mas por inúmeros motivos – cansaço, distrações, latência de jogo, sistema, etc – as vezes o jogo acaba se tornando um exercício de paciência, mecânico e sem sabor. Em uma certa altura do jogo você deixa de descrever “…e então o valoroso guerreiro, apertando com raiva o cabo de sua espada, salta em direção ao Ogro, agarrando as faixas de tecido rasgado que lhe cobrem e girando sua lâmina que canta no ar, poucos segundos antes de morder com precisão a carne da criatura, em um jorro de sangue serenado pelos gritos de dor e fúria da besta que convalesce, enquanto seu carrasco se prepara para seu próximo golpe letal…” e passa a descrever “…eu bato…” e rola os dados. Isso é prejudicial para os jogadores, que perdem muito da imersão e com certeza passam a se divertir menos, e também é prejudicial para o mestre, que com certeza ficará com aquela sensação de que “algo faltou” na aventura.
Em um mundo ideal todos nos manteríamos descansados e alertas o tempo todo, mas infelizmente essa não é a realidade. Caso você ou um de seus jogadores esteja cansado, desanimado, ou haja algum fator externo roubando a atenção, é importante perceber isso e tentar diminuir o impacto na aventura. Uma pausa para tomar uma água, um café ou energético, talvez comer algo, ou apenas respirar um pouco e dar uma volta: tudo isso vai ajudar bastante, até mesmo para que você possa pensar na situação do jogo, em possíveis alterações na história ou no caminho a seguir. O ideal é que caso a situação da aventura esteja estática, você introduza algo novo para manter fresco os ânimos, especialmente naquelas batalhas que parecem não acabar nunca: aquelas situações em que talvez os dados não ajudem, mas é uma certeza que os personagens irão conseguir matar aquele último kobold… não tenha medo de encerrar de forma narrativa um encontro que esteja parado, ou de transformá-lo: um novo inimigo aparece, uma alteração climática, ou um NPC interfere no encontro buscando conversar. O mesmo vale para aqueles momentos em que ninguém sabe o que fazer, ou para onde ir. Mude a situação. Não importa o que você faça, faça algo!

II – Curiosidade como Gancho para Exploração e Narrativa

Isso é algo que a série Zelda nos mostra já faz algum tempo. Por exemplo, em Ocarina of Time (Nintendo 64, 1998) existe um local que é literalmente a ponta de um cenário em um deserto que, coberto por um filtro de tempestade de areia, parece uma pirâmide distante, a qual muitos jogadores já tentaram, sem sucesso, alcançar. O mistério atraí os jogadores para tentar alcançar o que é apenas um pedaço do cenário de fundo. Em Breath of the Wild existem diversos locais, alcançáveis ou não, que puxam a curiosidade do jogador. As ilhas na imagem acima são um exemplo disso: embora sejam apenas parte do cenário do oceano, fora do limite de exploração do mapa, não consigo deixar de pensar no que haveria lá. E é justamente o desconhecido que nos atraí.
Em uma aventura, as vezes pecamos por dar detalhes e informação demais aos jogadores, que podem acabar sentindo-se soterrados por tantos dados, ou as vezes o oposto, onde pecamos pela insuficiência. É importante encontrar um ponto de equilíbrio entre as informações que passamos aos jogadores, dando-lhes o suficiente para fisgarmos seu interesse, mas deixando lacunas que só podem ser preenchidas pela exploração e interação com o mundo. Quando encontramos tal ponto de equilíbrio, os jogadores vão completar tais lacunas com suas próprias ideias: e é importante permitir que a imaginação deles – muitas vezes melhor ou mais fresca do que a nossa – esteja correta. Caso você sempre diga “não” às ideias dos jogadores, eles se sentirão frustrados e deixarão de colaborar.
Uma técnica que ajuda em tais situações é o “Sim, e…” e o “Sim, mas…”. Quando o jogador lhe der uma ideia ou estiver certo de que encontrou a resposta para algo, em primeiro momento aceite sua proposta, e então modifique ou altere a proposta do jogador completando com complicações ou adicionando uma resposta que dará um novo impulso para agir. Se por exemplo o jogador quer utilizar a guarda em cruz de sua espada para golpear o inimigo com algo perfurante em vez de cortante, permita, e faça com que a guarda se torne desalinhada, gerando um novo gancho que irá guiar a ação do jogador: ele ira buscar uma vila próxima, na procura de um ferreiro? Ele irá tentar realizar o conserto por conta própria? Ele irá trocar de arma com algum companheiro? Se ao invés de aceitar a proposta você tivesse respondido com apenas “não” sem dar nenhuma possibilidade ou ideia, nenhum desses possíveis caminhos seria aberto em sua narrativa. Caso a ideia ou ação realmente não tenha chance alguma de funcionar, ou causaria problemas graves demais, diga não, mas logo em seguida tente oferecer uma dica ou outra possibilidade. Usar essa técnica irá abrir seu jogo para um fluxo mais aberto e compartilhado, em vez de um caminho único e inflexível.

III – Os Jogadores são o foco, e não os NPCs

Nada impede que NPCs sejam importantes em uma história, mas independente disso são os atos dos personagens dos jogadores que devem conduzir a história. É preciso diferenciar “Foco” e “Importância”: Um Rei pode ser muito mais importante do que um mendigo, contudo, tal mendigo pode ser o foco da história, usando as situações de vida do personagem para refletir os atos e decisões do monarca. Talvez o cenário que você jogue seja bastante rico e denso com informações, linhas do tempo e dezenas de NPCs. Embora tais NPCs possam ser as pessoas mais importantes no mundo, o jogo deve caminhar com o foco nos personagens jogadores, e a história deve ser alterada e conduzida por suas ações e interações.
Se o foco estiver apenas nos NPCs o tempo todo, onde apenas eles movem o mundo e as atitudes dos personagens jogadores são completamente irrelevantes, sendo apenas ferramentas, ou pior, espectadores, talvez fosse melhor que você escrevesse um livro, e não organizasse um jogo de RPG. Lembre-se: o RPG é um exercício de narrativa conjunta, os jogadores não podem ser apenas sua platéia.

IV – O Mundo de jogo está sempre em movimento

Enquanto os jogadores estão explorando cavernas, invadindo masmorras, ou perdidos em uma floresta, o mundo não pode ficar estático, imutável. Fazendeiros trabalham, nobres conspiram, monarcas travam guerras e assinam acordos, dragões coletam tesouro: o mundo mantém-se em constante movimento. Se a cidade que os jogadores costumam visitar está sempre do mesmo jeito, com os mesmos locais, situações, os mesmos NPCs, em pouco tempo os jogadores deixarão de prestar-lhes atenção, e o cenário se tornará apenas um pano de fundo, uma ilustração sem importância.
Faça com que NPCs andem, mudem, visitem outros locais, tragam histórias. Faça com que um mercador viajante reencontre os jogadores em um outro local distante, talvez ele lembre-se de ter sido enganado e queira dar o troco, ou talvez um soldado que deva sua vida aos jogadores possa falar na defesa destes ao serem acusados de um crime. Não importa o que acontece no mundo, importa sim qual a relação entre os acontecimentos e os objetivos ou situação dos jogadores. Se seu mundo parecer vivo, os jogadores se empenharão em explorar, e em contar suas próprias histórias também.

V – Desafio e Recompensa são um ciclo constante

Tudo aquilo que é obtido sem esforço se torna desvalorizado, e do lado oposto, tudo que sofremos para conseguir é precioso para nós. Da mesma forma, se os jogadores querem algo: um item mágico, uma nova magia, um título, ou destruir alguma criatura, não importa o que seja, faça com que conquistar tais objetivos seja algo que necessite esforço. Mas nesta situação, é muito fácil cometer três erros: (1) exigir um esforço grande demais (ou talvez impossível), (2) a recompensa não valer o esforço, ou o pior de todos os erros: (3) tirar a recompensa logo após ela ser obtida.
Imagine que um guerreiro lutou por várias aventuras, percorreu meio mundo, perdeu vários companheiros, tudo isso para encontrar a espada lendária. Legal, né? Agora imagine se logo no início de sua jornada, um monstro com vários níveis acima do guerreiro o matasse instantâneamente? Ou que a espada na verdade fosse apenas um pouquinho melhor que uma faca de cozinha?. Ou na primeira nova jornada do guerreiro, alguém lhe rouba a espada sem esforço algum?
Jogos devem ser desafiadores, mas o desafio deve ser pensado. Não digo que você nunca deve fazer com que os jogadores encontrem algo que não sejam capazes de superar: mas quando isso ocorre, você deve ter a certeza de que existe uma forma de escapar, de enganar o monstro e fugir, se esconder, de usar o cenário para obter uma vantagem na luta e nivelar as forças. E quando o desafio é grande, a recompensa e a motivação deve ser proporcional: ninguém enfrentaria um dragão por apenas uma peça de ouro. E quando você tira a recompensa do jogador, na próxima aventura, pode ter a certeza de que ele se perguntará se o jogo realmente vale a pena.
As situações devem pedir escolhas. As escolhas geram novas situações e desafios. Desafios concedem recompensas – que então colocam os personagens em novas situações.
Esses cinco tópicos são apenas uma pequena parte de várias ideias, pensamentos e inspirações que Breath of the Wild me passou. No futuro, trarei mais alguns pensamentos e ideias que podem ser aplicadas para jogos de RPG, inspiradas também em outros jogos. Além disso, hoje trago um pequeno presente para vocês, leitores do Dungeon Geek: o Bokoblin, que é um dos monstros de The Legend of Zelda: Breath of the Wild, convertido para uso em Dungeons & Dragons 5ª edição!
Em próximos artigos, trarei mais algumas criaturas, itens, e localidades do jogo para que você aplique em suas aventuras. Se você tiver alguma sugestão ou quiser compartilhar suas experiências também, deixe um comentário abaixo!
Até a próxima, e bom jogo!

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