Para a nossa edição de hoje de Caldeirão dos Mundos, temos mais um entrevista com um dos expoentes do RPG nacional, Diogo Nogueira.
Diogo Nogueira é um escritor brasileiro de RPG’s que foca nos jogos OSR – que faz seus jogos serem únicos. Entre os RPG’s que já lançou está o Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros, Solar Blades & Cosmic Spells (resenha do RPG feito por nós), Dark Streets & Darker Secrets além de uma infinidade de jogos e aventuras em diversos compêndios. O jogo do Solar Blades está sendo traduzido e devemos ter alguma noticia do FC logo mais.
Espero que gostem da entrevista.
- Diogo, como você começou a jogar RPG e qual foi o primeiro jogo que você jogou? E há quanto tempo você joga?
Quando eu tinha uns 9, 10 anos, a minha escola deixou os alunos escolherem qual seria o livro que eles leriam naquele bimestre para fazer um trabalho qualquer. A turma escolher o “Calabouço da Morte” e eu descobri os livros jogos. Por causa deles (meus pais acabaram comprando alguns já que eu gostei), uns vizinhos mais velhos me chamaram para jogar esse tal de RPG e conheci Tagmar, o primeiro RPG Brasileiro. Isso faz uns 25 anos. Tive um hiato aí de uns 3 anos quando estava na faculdade, mas voltei com tudo em 2008 e sigo firme e forte até hoje.
- Qual é o seu RPG favorito?
Talvez soe meio piegas falar isso, mas eu diria que são os meus. Eu não fiz os meus jogos para atender alguma demanda de mercado, para ganhar dinheiro (embora isso seria muito legal se acontecesse). Eu os criei para fazer um jogo exatamente como eu queria jogar. Peguei conceitos e práticas de jogos que eu gostava muito e os adaptei para funcionar de uma maneira simples, flexível e fácil de implementar na hora do jogo. Então meus jogos favoritos são o Sharp Swords & Sinister Spells (Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros), o Solar Blades & Cosmic Spells e o Dark Streets & Darker Secrets.
- O que te inspirou a começar a escrever jogos? Alguém/algo te influenciou?
Acho que fui uma congruência de coisas. Primeiramente, eu fiz uma faculdade de Design Gráfico dentro da Escola de Belas Artes da UFRJ. Minha pretensão era trabalhar com livros infantis (inclusive tenho um publicado). Embora formado em Design, eu passava muito tempo nos ateliês de arte, fiz modelo vivo, aquarela, gravura, um pouco de tudo. Criar algo sempre foi uma coisa que desejei. Acho que não tem nada mais mágico do que fazer algo novo onde nada havia antes. Vendo a comunidade OSR e Independente, a cultura dos Zines, e a profusão de jogos autorais e feitos por entusiastas me fez perceber que aquilo também era uma possibilidade. Um texto do James Raggi intitulado “I Hate Fun” também fui um chute no estomago que me fez querer criar algo e contribuir para o hobby imediatamente. Eu não queria ser um consumidor passivo. Eu queria ser mais ativo na comunidade. O último empurrão veio com a rápida leitura dos geniais livros do Austin Kleon (Roube como um Artista e Mostre Seu Trabalho). Em menos de 1 mês eu fiz o Sharp Swords & Sinister Spells e não parei de fazer alguma coisa todo dia desde então.
- Em sua experiência, que habilidade um escritor e designer de jogos precisa? É necessário alguma educação acadêmica formal?
Perseverança é a principal habilidade que um criador, seja do que for, precisa ter. Isso não se aprende e forma acadêmica, eu acho, mas é algo que todos nós podemos treinar e aprender pequenas técnicas que podem nos ajudar. Não acho também que seja preciso uma formação formal de design de jogos para se criar jogos. Basta olhar para vários criadores renomados. A maioria deles não tem uma formação formal nesta área. Mas é preciso ter um espírito criativo. Uma mente aberta para brincar com coisas diferentes. Experimentar coisas novas. Brincar com regras. Desrespeitar jogos e modifica-los em culpa e sem pena. Por isso não entendo essa rejeição à tal “Regra de Ouro”. Para mim ela é um elemento formador de Game Designers.
- Quais os desafios que novos escritores podem esperar do mercado?
É pra listar todos? Vai assustar muita gente… Vamos lá. Primeira coisa é a falta de uma rede de apoio a autores independentes e novatos. Há alguns anos, você abria um blog e uma página no Facebook e conseguia alcançar muita gente assim. Não mais. As redes sociais restringem o alcance das publicações, outros blogs não costumam divulgar o trabalho de autores sem receber algo em troca e, quando se está começando é difícil ter condições de “garantir” este apoio. Outra dificuldade é uma comunidade que não parece ter uma capilaridade muito grande para sustentar muitos criadores, principalmente os que estão no início. Você vai precisar ter um emprego que te sustente para tentar criar jogos. Viver disso ainda é bem complicado por aqui, ainda mais em um cenário de recessão econômica. Alguns jogos e autores mais conhecidos não parecem ter problemas com isso, mas eles tem dezenas de anos no mercado e acesso a veículos de comunicação que a maioria de nós não possuímos. É preciso pensar numa maneira de expandir o público para além do que tradicionalmente acompanha o mercado. Sei lá. Acho que tem tanta coisa, que é difícil citar tudo em uma resposta apenas. Tem questão de ego, de panelinhas, calúnias e uma série de coisas. O segredo é meio que ignorar tudo isso e gostar muito de fazer o que você quer fazer.
- Para os novos autores de RPG – que dicas você daria para a criação de um jogo/universo? Onde podem ir buscar inspiração?
Faça algo com o que você ama. Esqueça aquela coisa de “escreva sobre o que você conhece”. Isso resulta em coisas chatas que ninguém quer ler. Encontre uma paixão, algo que te empolgue, que faz você querer fantasiar sobre, e crie um jogo com base nisso. Não tenha medo de basear sua criação em outras. Roubar de um só é plagio, roubar de várias pessoas é “originalidade”. Uma coisa legal sobre o ser humano é que ele é incapaz de fazer uma cópia perfeita, assim você sempre injetará algo novo e seu naquilo que “copiar”. E não se limite a copiar suas influências imediatas. Busco quem influenciou elas também, e busco em coisas além da sua zona de conforto. Gosta de jogos OSR? Dá uma olhada no que a galera de FATE, AWE e outros jogos estão fazendo. Veja como você pode usar alguns dos conceitos deles para os seu jogos, adaptando-os, subvertendo-os ou mesmo fazendo o total inverso do que eles estão fazendo.
- Você criou Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros, Solar Blades & Cosmic Spells e Dark Streets & Darker Secrets. Como as ideias começaram? Quais são as partes críticas de criação?
Acho que é difícil ter controle disso. Ideias surgem em nossas cabeças o tempo todo, não é? Difícil mesmo é conseguirmos apanhá-las antes que elas desapareçam em outra onda de pensamentos. Por isso eu uso um aplicativo de notas no celular onde eu anoto toda ideia que tenho. Volta e meia quando fico perdido, olho essas notas e relembro de uma porção de coisas que eu pensei e já tinha esquecido. Anotações são fundamentais. Já quanto à parte crítica do processo de criação, eu diria que é bem o meio dele. Quando você já está há muito tempo trabalhando nele e começa a ter aquela vontade de desistir, de fazer outra coisa, de começar um projeto paralelo e abandonar aquele ali, porque acha que ou não vai ficar legal, ou está uma bosta ou outra coisa vai ficar melhor. É importante lembrar que nada é perfeito. Que feito é melhor do que perfeito. É preciso se forçar a terminar o projeto, mesmo que não fique tudo o que a gente sonhou, mas terminar ele. No próximo a gente faz melhor. Muitos projetos acabam nessas horas. A diferença de quem consegue produzir para quem não é justamente esta perseverança de ver as coisas até o fim, para o bem ou para o mal.
- Você é um defensor do OSR e sempre defende e usa as configurações em seus jogos e livros. Há algo que devemos experimentar quando jogamos com OSR? E como podemos aprender mais sobre este assunto?
Eu amo a OSR. Eu amo os jogos antigos, da década de 70 e 80, e os jogos mais novos que se inspiram nestes e os jogos mais novos ainda que transcendem essas inspirações e se tornam coisas mais novas mas que ainda remetem um pouco a essas origens. Mas a OSR já passou por tantas transformações, divisões, cisões que hoje é um pouco difícil delimitar o que exatamente é ou não é isso ou aquilo. O Quick Primer for Old School Gaming do Matt Finch e o Principia Apocrypha são ótimos parâmetros para definir se um jogo seria OSR, mas hoje muitos estão fugindo deste rótulo mesmo quando o jogo se encaixa nestes princípios. Mas acho que estou divagando aqui. Acho que o que se deve procurar em jogos neste estilo é um sistema com regras essênciais mas que possa ser extrapolado para situações específicas sem precisar decorar dezenas de detalhes e que a criatividade do jogador seja tão ou mais importante que os números na ficha dele.
- Você está animado com a tradução do Solar Blades & Cosmic Spells que irá sair pela Sagen Editora?
Claro! É sempre legal ver algo que você criou saindo no lugar onde você mora. Ter o jogo ali prontinho para dar para um sobrinho, seu filho ou um amigo ler. Espero que a comunidade brasileira abrace o jogo e brinque com ele, desmonte-o, remonte-o e torne ele algo pessoal e único.
- Qual RPG você acredita ser o melhor para começar a jogar RPG, para alguém que nunca jogou ou não entende sobre o assunto?
Acho que não tem um RPG específico que seja ideal para todos os iniciantes. Acho que o ideal é procurar algo que os iniciantes gostem muito e procurar um jogo que capture aquilo da melhor forma. Se eles gostarem de Conan, o Bárbaro, talvez o Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros seja o ideal. Se eles gostarem de Senhor dos Anéis, talvez O Um Anel seja o ideal. Se Star Wars seja uma paixão, talvez o Solar Blades & Cosmic Spells ou o próprio Fronteiras do Império seja um bom caminho. A gente costuma subestimar muito os iniciantes achando que eles precisam dos jogos mais simples possíveis, mas não é bem assim. Eles precisam de algo que capture o imaginário e a paixão deles por aventura, história ou seja lá o que procuram.
Muito obrigado Diogo pela entrevista!
Se querem saber mais dos jogos ou do Diogo, seguem alguns links:
Jogos do Diogo no DrivetrhuRPG
Blog do Diogo: Old Skulling
Texto escrito por:
Felipe T. Holzmann
Booooaaa! Holz!!
Parabéns pela entrevista!!
Obrigado!