Continuando nossa série de artigos sobre o Fate, vamos seguir falando sobre o que as regras do mesmo. Nesse caso, vamos continuar falando sobre as Perícias, os rolamentos, e como as Perícias não são prioritárias.
“Perícias não são prioritárias?!”
Essa deve ser a pergunta que você está se fazendo: “Como assim perícias não são prioritárias?! Como se determina se eu consigo derrubar um inimigo, ou convencer um aliado, ou construir itens?”
OK… Vou me corrigir: As Perícias COMO APRESENTADAS NO FATE BÁSICO não são prioritárias.
Para entender isso, precisamos pensar em como o Fate Básico se enxerga enquanto sistema quando o comparamos a outros sistemas.
Existem sistemas com focos específicos em que tipo de jogos pretendem trazer: Dungeons & Dragons, Tormenta, Shadowrun, Numenera e Lenda dos Cinco Anéis caem nessa categoria. Eles já são bem fechados em termos de regras visando um determinado tipo de história: Dungeons and Dragons traz um foco todo especial em Fantasia, enquanto Lenda dos Cinco Anéis e focado no jogo em um ambiente de Japão Medieval. De fato, alguns são tão fechados que já pressupõe uma ambientação, como o Sexto Mundo de Shadowrun ou a Arton de Tormenta.
Isso é bom por um lado, pois já oferece tudo o que é esperado para se jogar jogos dentro daquele cenário ou gênero de cenário, mas, por outro lado, é muito complicado (algumas vezes até mesmo impossível) utilizar tais sistemas em outros estilos de jogo.
E existe uma segunda categoria de sistemas que são os chamados Sistemas Genéricos: eles não tentam trazer todas as regras para todos os tipos de cenários e gêneros, até mesmo porque isso seria impossível, ao menos pensando em um único livro, mas ao contrário, eles tentam trazer regras básicas aplicáveis a uma grande quantidade de situações, ao mesmo tempo que oferecem opções de expansão tanto pelo Narrador quanto por suplementos que os “completa”, por assim dizer. Sistemas como 3D&T, GURPS, Cypher, Savage Worlds e o próprio Fate caem nesse grupo.
Uma grande vantagem é que não se faz necessário aprender todo um novo sistema de regras caso deseje-se jogar outro estilo de jogo: você pode, por exemplo, deixar um jogo de Numenera para ir jogar The Strange e pegar o jogo sem muitas dificuldades, apenas lendo as mudanças de regras de um para o outro. Por outro lado, para quem pega um sistema assim, às vezes se faz complicado “preencher as lacunas” que faltam no sistema. Obviamente muitos deles trazem farto suporte: seja na linha Worlds of Adventure do Fate, os Compêndios de Savage Worlds e a monstruosa quantidade de módulos de GURPS, você pode encontrar uma série de materiais uteis para tanto jogar novos cenários quanto obter ferramentas para criar seus próprios jogos, combinando e adaptando elementos.
Nessa última categoria, existe uma subcategoria ainda mais aberta, a de sistemas que, na prática, são Motores de jogo, fundamentos básicos com pouca ou quase nenhuma regra preestabelecida. Jogos como Fate, Cypher, Cortex, FUDGE, FU, RISUS e, indiretamente, Apocalypse World fazem parte desse grupo. Eles oferecem um arcabouço mínimo de regras, e fica a critério do narrador ou desenvolvedor de jogos “completar” com o que se faz necessário ao seu jogo. Uma coisa curiosa é que algumas vezes você pode jogar um jogo sem conhecer seu “motor”, já que pode acontecer o motor ser “desagregado” do jogo original a posteriori, como aconteceu com Apocalypse World (dando origem aos jogos Powered by The Apocalypse), Numenera (ao Cypher System) ou a Star Wars: Fronteiras do Império (dando origem ao Genesys)
Por que tudo isso se fez necessário de dizer? Por que isso valida o que dissemos anteriormente: ainda que o Fate Básico traga consigo uma lista razoavelmente boa de Perícias, que cobrem muitas situações, em momento nenhum ela é dada como completa ou sequer obrigatória. Na prática, o Fate prevê que exista Algum tipo de nivelamento da competência dos personagens e de resolução de ações por meio de alguma aleatoriedade, mas se ele o será por Perícias ou não, isso não é obrigatório.
Dito isso, o Fate possui uma lista de Perícias razoavelmente completa e de Escopo Amplo. Ou seja, quando você pega a perícia Lutar, normalmente você será bom em lutar com qualquer tipo de coisa em contato físico corpo-a-corpo, não importa se com os punhos, espadas, bastões, canecas de cerveja ou usando inimigos como armas. Não vou me focar em fazer uma lista, já que você pode ver a mesma no Fate Básico, e de qualquer modo essa lista pode variar conforme o jogo. O que posso dizer é que, sim, existem perícias
Abordagens
De fato, o principal exemplo está no sistema de Abordagens que está presente no Fate Acelerado (aqui cabe uma ressalva: Fate Acelerado e Fate Básico SÃO O MESMO JOGO). O uso das 6 Abordagens tem como vantagem uma mudança de enfoque das ações: elas mudam de O Quão Bem você resolve problemas para Qual a melhor maneira pela qual eu resolvo problemas. Um personagem pode passar por uma porta tanto sendo Cuidadoso (calmamente usando ferramentas para desmanchar a maçaneta), Sorrateiro (arrombando a porta com macetes aprendidos nas ruas) ou sendo Poderoso (chutando a droga da porta).
Não vamos falar muito sobre as abordagens, já que no Fate Acelerado elas são descritas de uma boa maneira. Além disso, mesmo em jogos baseados em Fate Acelerado como Jadepunk, Fate Freeport, Nitrate City e por aí afora, os nomes e funções das Abordagens podem mudar, como Jadepunk faz com as Profissões.
A Escala
Em Fate, como dissemos, espera-se Algum tipo de nivelamento dos personagens, como em todo RPG. E no caso, tal competência é avaliada segundo uma Escala. A Escala padrão do Fate é representada abaixo, e normalmente será mais ou menos essa o tempo todo, ainda que ela possa alterar ocasionalmente com mais ou menos níveis.
Nível
Adjetivo
+8
Lendário
+7
Épico
+6
Fantástico
+5
Excepcional
+4
Ótimo
+3
Bom
+2
Razoável
+1
Regular
+0
Medíocre
-1
Ruim
-2
Terrível
Essa escala tem vantagens e desvantagens: uma das primeiras desvantagens perceptíveis é que ela é pouco granular. Os valores de competência mudam pouco quando você compara com outros jogos, onde os valores podem cobrir níveis de 1 a 20, ou mesmo maior, facilmente. Alguns até tem valores abertos, como em GURPS, onde um super-herói pode facilmente ter STR (a Força) em valores de 30 (pouco acima do humano) a 1000 (“Goku, é você?”) ou mesmo mais.
Isso porque no Fate, os valores matemáticos não são tão relevantes assim: ainda se fazem necessários, mas eles servem como referência para os valores a serem obtidos em testes, como veremos abaixo.
Uma vantagem é que normalmente no Fate se associa a cada nível de competência, por assim dizer, um adjetivo descritor que funciona como uma forma de ter uma noção geral em termo gramático (ou literário para ser mais exato) da competência de alguém. Voltando ao exemplo comparativo, um ser humano normal teria um Lutar (perícia de combate físico em Fate Básico) Medíocre, representando seu nível básico em geral, enquanto um combatente como Kuririn teria força Excepcional e personagens Saiyajins, como Goku, poderiam alcançar níveis Lendários ou ainda maiores.
A Escala e escala (ou Escala 0)
Uma coisa também interessante disso é que os níveis de competências não precisam estar atrelados ao “padrão humano”, uma característica de diversos outros sistemas. Isso vem do antepassado do Fate, o Fudge, que trabalhava com uma Escala similar, mas simétrica, com o mesmo tanto de níveis positivos e negativos. Nele, supunha-se que o “meio” da Escala (a chamada Escala 0) não se aplicava necessariamente a seres humanos, mas ao nível dos personagens em questão: seja você jogando com Camundongos Aventureiros ou com Guerreiros Z, a escala padrão, o meio, a Escala 0, o “Medíocre” é determinado pelos personagens.
Isso tem duas implicações positivas:
A primeira é que, diferentemente de outros sistemas, você não precisaria ficar aplicando modificadores o tempo todo nas ações dos personagens: como eles são o prumo do sistema, ele fica automaticamente nivelado para eles. Se por um acaso seus personagens são todos camundongos e precisarem enfrentar outros camundongos, não se faz necessário ficar modificando rolamentos e resultados o tempo todo devido à escala. Isso só se faz necessário quando algo muito diferente apareça, como um camundongo tendo que enfrentar um gato.
A segunda é que torna certas ações mais simples: se você é um Guerreiro Z e algum ser humano comum tentar te atacar, dificilmente você sofrerá dano. Então, em vez de se preocupar com rolamentos, os próprios valores deixarão claro que as chances de algo assim ocorrer beirarão a zero, tirando do caminho as mesmas ou deixando-as para situações REALMENTE excepcionais e interessantes.
A Pirâmide
Quando se usa perícias em Fate seguindo os padrões aconselhados pelo Fate Básico, um dos conceitos mais “estranhos” que existem é o da Pirâmide: em vez de alocar-se pontos a cada perícia de maneira arbitrária, cada perícia que o personagem desejar é alocada em uma posição (ou slot, como você pode ouvir ocasionalmente) dentro de uma Pirâmide, como a abaixo
Se observarmos a Pirâmide acima, temos 1 espaço para perícias de nível Ótimo, 2 espaços para Bom e assim sucessivamente. A Pirâmide pode ter um nível maior ou menor na Perícia-Pico (no caso da acima, ela é Ótimo), mas ela SEMPRE será montada nessa sequência: 1 Perícia no nível Pico, 2 um nível abaixo, 3 dois níveis, e assim por diante.
Isso se torna interessante por alguns motivos:
Primeiro, é possível ter-se uma noção do foco do personagem, já que obviamente a perícia pico ou as mais próximas dela possível serão ocupadas por perícias que representem aquilo no que o seu personagem realmente se diferencia.
Por exemplo, um guerreiro poderá ter o pico da sua Pirâmide como abaixo
representando suas capacidades de combate e sua resistência, enquanto um Mago ou Estudioso poderia ter algo como
representando os estudos e conhecimento que possui, assim como o fato de lidar com patronos poderosos, enquanto um Ladrão ou Trapaceiro poderia ter
representando o conhecimento de como roubar coisas, fugir sem ser notado e conseguir passar adiante qualquer produto do roubo que possa resultar em dinheiro.
A Pirâmide também mostra, de uma maneira visual, como as perícias do personagem sustentam narrativamente umas as outras. Por exemplo, se vermos dois guerreiros, um com o topo da pirâmide
É possível imaginar que ambos sejam bons combatentes (Lutar), mas enquanto o primeiro pode ter um retrospecto mais selvagem (Atletismo para correr pela mata e escapar de inimigos e Vigor para resistir às intempéries da natureza), o outro pode ter um retrospecto mais militar (Comunicação para fazer-se ser obedecido por suas tropas e Conhecimentos para uma compreensão e estudo de táticas militares).
Ou seja, embora os dois tenham Lutar no mesmo nível, as perícias que sustentam a mesma podem trazer uma visão mais interessante sobre quem os personagens são, quando combinado com os Aspectos.
Isso também impede, de certa maneira, que ocorra o efeito Min-Max de outros sistemas (personagens extremamente focados em algo e totalmente incompetentes no resto). Ao utilizar a pirâmide, se garante que todas as perícias alocadas representem competências do personagem em menor ou maior escala.
Vejamos um exemplo de pirâmide completa
Esse personagem é um personagem que possui um retrospecto mais militar, com uma boa capacidade de coordenação de tropas e muito estudioso, não apenas de coisas militares (Lutar, Conhecimentos e Comunicação). Além disso, possui uma certa competência ao atacar à distância (Atirar) e em entender o estado emocional dos outros (Empatia), sendo também conhecedor de algumas bravatas capazes de tirar inimigos do sério (Provocar). Por fim, ele tem alguma resistência física, ainda que não muito acima da média humana (Vigor) e uma coordenação motora que não é das melhores (Atletismo), além de possuir alguns bens e dinheiro próprio acima da maioria (Recursos) e ser alguém que consegue ser esquivo se necessário (Furtividade)
Para terminar, a pirâmide também provê uma forma de saber-se o valor pré-definido de perícias que o personagem não tenha na mesma: elas serão sempre equivalente ao piso-1, normalmente Medíocre (+0)
Rolamentos
OK, falamos bastante sobre o funcionamento das perícias em Fate, ou de qualquer outra forma de se definir uma competência. Mas agora vamos falar sobre como lidar com os rolamentos.
Como em muitos RPGs, Fate também pode se ver na necessidade de decidir coisas baseadas no acaso ou em circunstâncias além do controle dos jogadores. De fato, em Fate se sugere que dados só sejam usados se o sucesso ou o fracasso dos personagens tenham consequências interessantes. Por exemplo: se os personagens tiverem negociando com um Rei, sucessos podem resultar em ganho em poder ou recursos, enquanto fracassos podem os colocar na prisão ou mesmo em uma situação de julgamento por combate!
No Fate, normalmente utilizam-se para aleatoriedade os Dados Fate. Eles também são conhecidos como Dados Fudge, já que essa é outra das várias heranças que o Fate carrega de seu antepassado. Esses dados são dados de 6 faces (d6), mas com duas faces com sinais de menos (-), duas com sinais de mais (+) e outras duas em branco. São sempre utilizados 4 dados Fate (4dF) para realizar-se os rolamentos em Fate.
Os rolamentos em Fate são simples: rola-se 4dF e soma-se o nível da perícia para obter-se um Esforço e o mesmo é comparado com uma Dificuldade definida pelo Narrador ou contra o Esforço de uma oposição. Cada símbolo (+) soma um ao nível da Perícia do Personagem, e cada símbolo (-) reduz em um o nível da Perícia do Personagem para determinar-se o Esforço. Brancos não influenciam. A dificuldade padrão para testes é Razoável (+2)
Exemplo: Alberich Van Der Vaar, um príncipe de Conto de Fadas, está procurando convencer o Sultão de um Sultanato no meio da Rota de Ouro e Seda que seu grupo, conhecido como a Companhia, precisa descansar da exaustiva viagem em meio ao Deserto. O Narrador decide que o humor do Sultão não está excepcionalmente bom ou ruim, e que ele também não tem nenhum motivo a favor ou contra a companhia. Desse modo, a dificuldade do teste será o Razoável (+2) padrão: ele apenas não sabe quem são esses estrangeiros e ele decide que é melhor manter cautela quanto aos mesmos, ouvir suas motivações e depois tomar sua decisão. O jogador de Alberich pega os dados e obtêm (+)(+)(+)(-). Seu Esforço total foi de +2 dos dados + sua Comunicação, a perícia testada, Boa (+3), para um total de +5.
As Quatro Ações
Em Fate, tudo o que você pode fazer pode ser resumido em quatro grupos de ações. Vamos vê-las melhor em outros Artigos, então aqui vamos fazer apenas uma introdução rápida. Elas são:
- Superar Obstáculo (ou simplesmente Superar): quando o personagem tenta utilizar uma perícia visando resolver um problema, como utilizar Roubo para arrombar uma porta ou Atletismo para passar por cima de um muro;
- Criar Vantagens: ao utilizar essa Ação, o personagem está preparando alguma coisa que lhe trará benefícios no futuro, na forma de Aspectos que surgirão em jogo, como quando um personagem utiliza Ofícios para costurar uma Roupa de Gala para um encontro real ou quanto utiliza Conhecimentos para entender um Ritual de Abjuração a ser usado contra um Deus Profano que foi encontrado em um antigo tomo de sabedoria;
- Ataque: quando você tenta provocar algum tipo de prejuízo contra alguém, independente do tipo, você usa a ação de Ataque, como quando você usa Atirar para eliminar os terroristas ou quando você usa Provocar para tornar seu inimigo na corte alvo de pilhéria;
- Defesa: essa ação é usada como uma reação contra as anteriores, em especial as duas últimas, e você pode atuar ativamente, como quando você utiliza Lutar para aparar os golpes do inimigo com suas técnicas de Kung Fu ou quando você utiliza Vontade para evitar uma Possessão Demoníaca.
As Quatro Resoluções
Existem quatro resultados possíveis em um teste de perícia dentro do Fate:
- Falha: seu personagem obteve um Esforço abaixo do nível da Dificuldade ou do Esforço da oposição e não conseguiu obter sucesso na sua intenção. No Fate, existe a opção, dependendo da circunstância, de o personagem ser Bem-Sucedido a um Custo Maior no caso de uma falha;
- Empate: seu personagem obteve um Esforço igual à Dificuldade ou ao Esforço da Oposição e quase alcançou seus objetivos. Ele pode ter alcançado o que desejava, mas com algum pequeno complicador ou revez, ou ele pode deixar o caminho preparado para uma nova tentativa mais viável;
- Sucesso: seu personagem obteve um Esforço maior que a Dificuldade ou Esforço da oposição e alcançou seu objetivo;
- Sucesso com Estilo: seu personagem obteve um Esforço maior ou igual que a Dificuldade ou Esforço da oposição +3. Seu personagem não apenas obteve o que desejava como conseguiu algum tipo de benefício adicional.
- Em caso de sucesso, a diferença entre o Esforço do personagem e a dificuldade ou Esforço da Oposição é chamada de Tensão. Isso é importante em Conflitos para determinar-se o Dano que o personagem sofreu em um Ataque (veremos mais sobre isso quando falarmos dos Conflitos em outros artigos)
Exemplo: Como vimos anteriormente, Alberich conseguiu um Esforço total Excepcional (+5), sendo que o Sultão era uma dificuldade Razoável (+2). Como ele foi bem-sucedido com uma Tensão de 3, ou seja, igual à dificuldade+3, ele obtêm um Sucesso com Estilo, o que faz com que o Sultão perceba em Alberich um potencial aliado futuro, tanto nos negócios como na guerra: afinal, um príncipe viajante como ele cedo ou tarde voltará para seu reino, e nenhum governante que se preze desprezaria a possibilidade de obter algum aliado poderoso, ainda que para o futuro.
Falha e Sucesso a Custo
Como dito, ao rolar-se Teste, um personagem Falha em suas intenções ao rolar abaixo da dificuldade. Entretanto, em Fate isso não é o fim.
Quando um personagem Falha em um teste, ele pode demandar um Sucesso a Custo. Isso também pode ocorrer em certos casos de Empate no teste.
Um Sucesso a Custo indica que o personagem obteve seu objetivo, mas adicionou algum complicador sério à cena. Às vezes ele arrebentou a porta por onde eles pretendem fugir, mas os zumbis se aproximaram. Ele pode ter invadido o sistema onde estão os documentos comprometedores da grande corporação, mas um alarme foi disparado nos servidores e eles estão sendo rastreados. Enfim, sempre será uma complicação realmente séria.
Exemplo: Grace, a Dobradora de Elementos do Monastério de Alemtempo está combatendo uma série de Homens-Rapina que servem os temíveis Mestres de Umdaar. Para isso, ela resolve criar uma barreira de vento que servirá de defesa contra os inimigos. A dificuldade para criar tal barreira é Razoável (+2), e ela utiliza o fato de ela ser Bem Esperta (Abordagem Esperto Bom (+3)), mas os dados lhe são totalmente infelizes com (-)(-)(-)(-). Essa Falha é um problemão, pois seu grupo está muito ferido e eles não sobreviverão se não fizerem nada. A jogadora de Grace pede por um Sucesso a Custo. O narrador decide que é um momento interessante para adicionar novos inimigos, e usa esse fato: enquanto os Homens-Rapina continuam batendo contra a Barreira de Vento de Grace, Grace vê uma das tenentes dos Mestres de Umdaar surgindo, Sendeirice, a Papiloni, de um povo de Homens-Borboletas atraídos por Magia como a Dobra de Elementos… As coisas ficaram bem complicadas agora.
Invocações Gratuitas
Em especial quanto à ação de Criar Vantagem é necessário realizar uma rápida ressalva: quando usada, a ação de Criar Vantagem gera Aspectos especiais, que normalmente recebem Invocações Gratuitas: ao utilizar esses Aspectos pela primeira vez (ou por até duas vezes, em um Sucesso Com Estilo), o personagem pode o fazer Gratuitamente (vamos explicar adiante o custo de usar-se Aspectos). A diferença é que você só pode usar Invocações Gratuitas enquanto elas estiverem no Aspecto. Entretanto, o Aspecto pode ser utilizado ainda enquanto ele estiver em jogo.
Aspectos, inclusive os criados pela ação de Criar Vantagem podem ser removidos de jogo pela ação de Superar, como na situação onde um incendiário coloca um Prédio em Chamas (Criar Vantagem) e os bombeiros usam água para apagar o fogo (Superar).
Melhorando suas chances
Pois bem: o fato de você ter rolado uma Falha pode não ser o fim. De fato, mesmo em um sucesso, você pode melhorar ainda mais seu resultado para coletar os benefícios de um Sucesso com Estilo.
É justamente nesse momento em que você usará Aspectos para melhorar suas chances.
Qualquer Aspecto que você tenha em sua ficha ou conheça (esteja em jogo devido a uma ação de Criar Vantagem) pode ser usada para obter-se +2 em um rolamento ou pedir um novo rolamento. Isso é chamado de Invocar um Aspecto
Entretanto, existem algumas regras quanto ao uso de um Aspecto:
- Você só pode utilizar Aspectos que sejam Relevantes ao Teste. Por exemplo, para alvejar um Terrorista, você pode usar o fato de ser um Sniper da polícia, mas não pode usar o fato de ser um Professor de Bioética da UNICAMP. Você deve explicar o porquê tal Aspecto é relevante à situação, e a palavra final é do Narrador
- Você só pode utilizar uma vez um mesmo Aspecto em um TESTE. Por exemplo: imagine que você é um Sniper da Polícia e usou esse Aspecto para obter um novo rolamento já que o que teve foi desastroso. Se o próximo rolamento for tão ruim ou ainda pior que o atual, você não pode utilizar novamente o Aspecto de Sniper da Polícia
- Você deve pagar 1 Ponto de Destino (PD) por uso do Aspecto. Pontos de Destino serão vistos melhor adiante. Se você não tiver Pontos de Destino, você não pode usar Aspectos.Exceção: Você pode utilizar Aspectos que tenham Invocações Gratuitas sem precisar pagar Pontos de Destino pelo mesmo. Cada Invocação Gratuita conta como um Ponto de Destino no Aspecto em questão, e eles representam o Esforço feito pelo personagem para obter aquela Vantagem, seja virando uma mesa para servir de Proteção contra balas, seja pelo tempo despendido ao realizar os cânticos e movimentos para criar a Proteção Mágica
- Você pode utilizar quantos Aspectos quiser em um rolamento ou teste, desde que respeitada as condições anteriores
Exemplo: Grace decidiu que não é uma boa ideia permitir que o Narrador traga uma tenente dos Mestres de Umdaar para enfrentar um grupo tão combalido. Ela ainda tem Pontos de Destino, então ela resolve utilizar 1 PD para realizar um novo Rolamento, explicando que ela estudou muito bem essa Magia da Barreira de Vento, já que Uma pequena órfã do Monastério de Alemtempo não tem tempo ou amigos para outras coisas. O novo rolamento não foi muito melhor, conseguindo um (+)(-)( )(-), dando -1, com um resultado Razoável (+2) que lhe garante um Empate.
Ainda assim, ela decide que é pouco, e ela não pode usar novamente o fato de que é Uma pequena órfã do Monastério de Alemtempo. Ela ainda tem Pontos de Destino, entretanto, e ela lembra que tem um Amuleto de Poder que possui energia mágica carregada como uma Invocação Gratuita. Ela gasta essa Invocação Gratuita., para obter +2, indo para Ótimo (+4), o que é um Sucesso.
Mas ela ainda decide que é pouco, e utiliza o fato de que Grace é Uma mente superiora, sob a mira de perigos estranhos para um novo bônus +2, já que o próprio fato do Narrador dizer que iria trazer uma Tenente dos Mestres de Umdaar mostra que ela está sendo visada, junto com seus amigos, e sua mente superiora mostra que eles precisam ser protegidos. Ela então utiliza outro Ponto de Destino para tal, elevando seu Esforço para Fantástico (+6), gerando um poderoso vendaval que espanta os Homens-Rapina com um Sucesso com Estilo.
O Custo dos Aspectos e os Pontos de Destino
Como foi visto, cada vez que um Aspecto é usado, deve-se usar um Ponto de Destino. Mas tais pontos são limitados.
Todo personagem começa com uma certa quantidade mínima de Pontos de Destino iniciais cada aventura, em um valor conhecido como Recarga. Em geral, esse valor é 3, ou seja, cada personagem começa uma aventura com no mínimo 3 Pontos de Destino.
É possível obter-se Pontos de Destino a qualquer momento, mas não sem consequências: o Narrador, ou o próprio jogador, pode escolher colocar perigos ou dilemas sérios e interessantes em termos de narrativa e ver a reação do personagem. Se um personagem optar por colocar-se a si em risco ou diante de um dilema, seja proposto pelo Narrador ou voluntariamente pelo jogador, ele recebe 1 Ponto de Destino ao fim da cena. Isso é chamado de Forçar um Aspecto em Fate.
Entretanto, um personagem pode agir contra seus Aspectos se não for, em sua visão, for ruim para o personagem. Mesmo um Ladrão Frio e Mesquinho pode ser ocasionalmente bom, ou ao menos não roubar um pobre coitado de modo a chamar a atenção dos Constábulos da cidade. Se o Narrador oferecer 1 Ponto de Destino para forçar um Aspecto do Personagem, o jogador pode recusar essa Forçada, mas será ele a pagar 1 Ponto de Destino. O Narrador pode aumentar as apostas e ofertar 2 Pontos de Destino, e ainda assim o jogador recusar, pagando 2 PDs pela recusa.
Exemplo: Quando o grupo de Grace entra em um antigo Templo dos Demiurgos, os lendários senhores de Umdaar agora desaparecidos, ela observa que existe uma grande biblioteca cheia de tomos interessantes. O que ela não sabe é que o Narrador colocou essa biblioteca ali como uma Armadilha: assim que algum deles retirar qualquer livro de lá, quatro Escorpiões Gigantes sairão para atacar quem estiver na sala.
Ao perceber que o grupo não caiu na cilada, o Narrador então olha para a jogadora de Grace e diz: “Sabe, Grace, como você Ainda tem algum problema para controlar seus poderes de Domar Elementos, você imagina se talvez algum dos tomos dos Demiurgos possua exercícios prânicos que lhe ajudem a desenvolver suas técnicas”, e levanta uma das Fichas de Poker que está usando como representação dos Pontos de Destino.
Como Grace está com poucos Pontos de Destino, e aparentemente eles estão chegando em algum poderoso inimigo, ela decide que é um bom momento para colocar a si e ao grupo em complicação, e aceita a Forçada. Grace avança na direção dos livros e puxa um que lhe parece especialmente promissor, mas isso faz com que as portas se fechem em os Escorpiões Gigantes invadam a sala, desejosos pela carne fresca de aventureiros.
Se o livro realmente existe ou não, aí são outros quinhentos… E não são a preocupação de Grace no momento.
Alternativas sem Perícias
O Fate, como dissemos, não considera sua lista de Perícias imprescindível em jogos baseados no mesmo. Na realidade, mesmo o uso de Perícias como um todo não é considerado imprescindível. Na realidade, desde que exista uma forma de Medir-se a competência de algo ou alguém por meio de um nível a ser usado em conjunto com um rolamento de dados em um teste, não importa o termo.
O próprio caso do Fate Acelerado com suas Abordagens e dos derivados do mesmo com em Jadepunk ou Fate Freeport mostra como isso não é exatamente um problema.
Mas ainda existem algumas alternativas.
A primeira é a ideia de Perícias (ou Abordagens) Abertas: cada personagem ou grupo pode ter diferentes listas de Perícias ou Abordagens condizentes ao seu tipo específico. O melhor exemplo dessa situação é em Evolution Pulse, onde cada grupo de Executores possui seu próprio conjunto de Abordagens, que pode ou não coincidir.
Uma outra possibilidade é a ideia de Esferas (Modes em inglês), que funcionam de maneira similar aos kits de outros jogos, sendo pacotes preestipulados de perícias. Esse sistema foi visto em Atomic Robo e Kaiju Incorporated, e tem suas regras explicadas em Fate – Ferramentas de Sistemas. Quem sabe em um artigo futuro, para situações avançadas, a gente cubra tais situações.
Por fim, pode-se, graças à Regra de Bronze (sobre a qual falaremos em artigos futuros), podemos utilizar os próprios Aspectos para isso. Não apenas como um reforço, mas como determinação da competência.
Existem duas formas que já aparecerem em jogos Fate no exterior:
1. Na primeira, o Aspecto deve mencionar uma profissão ou razão similar pela qual ele será usado, e deve receber um nível de perícia associado ao mesmo. Sempre que essa profissão se aplicar, o personagem poderá rolar aquele nível em seus testes. Por exemplo, se Tony é Um Palhação que não resiste ao sorriso de uma criança, e ele tem um Regular (+1), sempre que a noção de ele ser um Palhação puder ser usada a favor dele, ele pode utilizar o nível Regular (+1). Isso pode ir desde fazer uma criança sorrir com algumas caretas até mesmo provocar inimigos, irritando-os o bastante para que eles errem o tiro. Essa foi vista em Good Neighbors e Shadowcraft
2. Na segunda, vista em Three Rocketeers, basicamente funciona assim: cada Aspecto que seja útil em uma situação específica adiciona +1 ao rolamento do personagem. Então, por exemplo, se você é um Médico de Campanha e você acredita que “Enquanto há vida há esperança”, você recebe +2 quando rolar testes envolvendo uma cirurgia de uma criança que tenha tido a perna amputada por uma mina terrestre e esteja perdendo muito sangue;
Em ambos os casos, ainda pode-se utilizar Pontos de Destino para Invocar Aspectos.
Considerações Finais
Como podemos ver, o Fate não é muito focado em fixar uma lista de perícias, já que como um Motor de jogo mais focado na narrativa que na matemática do jogo, ele permite que se customize a vontade as perícias listadas, inclusive permitindo a adoção de estratégias para avaliar-se as competências do personagem por outros caminhos, como a Abordagem e o uso dos próprios Aspectos do personagem.
Além disso, vimos que, ao usar-se perícias, o mecanismo de pirâmide permite que o personagem seja melhor compreendido em suas capacidades e em como as perícias trabalham de maneira sinergética para demonstrar o que o personagem é capaz de fazer e como.
O Fate também trabalha com o conceito de Sucesso a Custo Maior como uma forma de trazer mais dramaticidade a um rolamento que de outra forma seria simplesmente uma Falha. Além disso, explicamos como os Aspectos podem ser usados para reforçar as Perícias.
Por fim, falamos sobre o conceito das Quatro Ações que sumarizam basicamente todo tipo de Ação em Fate.
No próximo artigo, falaremos sobre as Façanhas, as coisas especiais e únicas que o personagem é capaz de fazer, como escolher ou mesmo criar Façanhas e porque elas são tão importantes na caracterização do personagem. Também falaremos como elas podem simular equipamentos e técnicas especiais.
Então, até a próxima e role +4.
Essa matéria foi escrita por:
Fábio Emilio Costa