Em qualquer situação social que nos encontramos, algumas regras e conceitos são tão óbvias que nem chegamos a prestar atenção nelas: Coisas simples como higiene pessoal, não sair arrotando na cara de pessoas, ou se vestir de forma adequada. Nós não temos que parar e pensar sobre fazer essas coisas, elas já estão inseridas em nossa consciência. Sabemos exatamente como devemos nos comportar – e se não sabemos e acabamos cometendo uma gafe, rapidamente nos desculpamos. Tais “regras” não estão precisamente escritas e documentadas, mas juntas formam o conceito de Contrato Social.
Um contrato social é um acordo implícito que rege as interações sociais entre membros de um grupo. Ele define as atitudes que são consideradas aceitáveis e inaceitáveis, os direitos e deveres dos indivíduos no grupo. São aquelas regras invisíveis que todos seguem e não precisam ser ensinadas, guiadas pelo bom senso. Mesmo que as pessoas não saibam conscientemente que o contrato social existe, ou desconheçam seu nome, ele está lá, presente. E quando uma das “cláusulas” invisíveis do contrato é quebrada, por mais que você não esteja ciente de sua existência, tal quebra lhe incomoda. O contrato social é como o vento: você não o enxerga, mas é capaz de ver e sentir seus efeitos.
No RPG, o contrato social vai além de conceitos fundamentais como a higiene e civilidade. O contrato define a experiência de jogo, mesmo que ele se mantenha apenas no subconsciente dos participantes. Ainda assim, o objetivo e razão de existência do contrato social é criar um ambiente saudável. Um local seguro e convidativo para os jogadores. Você não necessariamente precisa conhecer e entender o contrato social para usá-lo, mas ele pode ser usado como uma ferramenta adicional para a boa condução do jogo, desta forma sendo explícito para todos.
Tal aplicação do contrato social pode ser simples: um bilhete citando algumas poucas regras básicas, como “Não interromper a interpretação dos outros jogadores”, ou “não usar o celular durante o jogo”. Apenas lembretes para conduzir a experiência de forma mais fluida. Ou também pode ser usado de forma mais complexa. Independente de como você faz a aplicação do contrato social de forma explícita, alguns cuidados precisam ser tomados.
O contrato social tem que fazer sentido. Ele precisa estar alinhado com sua proposta de jogo. Em uma mesa presencial, por exemplo, você pode definir no contrato social o que ocorre com jogadores que se atrasam ou ausentam da sessão de jogo, e os reflexos disso nos personagens. Não se trata de uma punição, mas sim de deixar claro as atitudes e os resultados destas. Se haverá pausas ou se os jogadores podem comer durante o jogo, como lidar com piadas e brincadeiras, quando tudo isso é colocado de forma clara, as pessoas passam a policiar melhor suas atitudes. A dica principal aqui é: se uma atitude está causando problemas para outros jogadores, para o narrador, ou para a narrativa em si, o problema precisa ser trazido à tona, e sua solução ser aplicada de forma clara. O contrato social serve para isso: conduzir a experiência de forma positiva, permitir que todos se divirtam com o jogo.
Contratos sociais não devem ser longos ou rígidos demais, ou você corre o risco de afastar pessoas de seu grupo. O contrato social não deve se tornar um livro de regras adicional ao sistema que está sendo jogado. Aliás, regras de jogo e contratos sociais são bem diferentes, ainda que sirvam para conduzir a experiência de jogo ao mesmo tempo. Ultimamente, você deve esperar que os próprios participantes do jogo tenham um grau mínimo de maturidade para entender que certas atitudes podem causar ruído na comunicação entre os jogadores e o narrador, ou até mesmo incomodar verdadeiramente algum participante.
Os contratos sociais não devem, contudo, ser criados de forma individual. Ele não precisa se tornar um referendo sobre o conteúdo do jogo, mas todos os participantes precisam estar cientes de seu conteúdo, e devem poder opinar. Na ausência de participação, você arrisca afastar jogadores da mesa ao impor restrições demasiadamente rígidas ou que estejam muito distantes do senso comum. Algumas coisas mais óbvias, como evitar ofensas não precisam ser explícitas – a não ser que estejam ocorrendo e causando problemas. Se nenhum participante está causando tal problema, ele não necessariamente precisa ser citado. Lembre-se que as pessoas não gostam de ser acusadas, especialmente se são inocentes de tal acusação. Quando você incluir uma nova “cláusula” no contrato, muitos vão rapidamente deixar claro que não são culpados daquele problema.
Quando ocorre a quebra do contrato social, o primeiro indicador do problema é que alguém está deixando de se divertir. Pode haver uma divergência entre proposta e desejo, ou realmente uma atitude de alguém que causou um desconforto ou ofensa. Quando alguém deixa de se divertir, você tem o sinal claro de que algo está errado. Alguns contratos sociais podem acabar se tornando tóxicos com o decorrer do tempo e o acúmulo de quebras do contrato. Antes que percebam, o jogo passou a causar mais problemas do que divertir, e invariavelmente pessoas irão se afastar do jogo. Após algumas sessões, o grupo provavelmente irá se desfazer se as causas do problema não forem percebidas ou atendidas.
É importante também entender que nem todos irão aceitar sua proposta de jogo. O mestre ou narrador não precisa comprometer sua ideia de jogo ou aventura, da mesma forma que os jogadores não são obrigados a jogar algo que não gostam. Se seus jogadores não gostam de horror, por exemplo, talvez seria melhor que você deixasse sua proposta de jogo para outro grupo em vez de diminuir o tom da sua aventura preparada. Como sempre, resta o bom senso de todos os envolvidos. Se sua aventura fosse utilizar excessivamente de xingamentos e palavrões, e um dos participantes se sentiria incomodado com isso, talvez fosse melhor convidar outra pessoa. Sem ressentimentos: todos precisam ser maduros para aceitar que tem desejos diferentes. Em uma negociação, é importante encontrar o outro lado no meio do caminho. Se um dos lados cede demais, o resultado final não será positivo. Como narrador, encontre jogadores que aceitem sua proposta. Como jogador, procure mestres que tem propostas que lhe agradem.
O RPG pode ir além do hobby. Há tempos já se discute sobre suas possíveis diferentes aplicações, mas em sua origem o RPG se trata disso: um jogo, um hobby. Algo que proporciona prazer e divertimento. Você pode usar o contrato social como mais uma ferramenta que lhe ajudará a garantir tal divertimento, ou deixar que ele silenciosamente guie a experiência. Quer você queira ou não, o contrato social irá continuar existindo, ainda que você não conte para ninguém.
A principal diretriz no que se trata do contrato social é que sempre a diversão de um não deve ter prioridade sobre a diversão de outro. Jogue mais, divirta-se mais, e aproveite cada vez mais. O RPG deve ser uma experiência positiva, não importa qual seja sua aplicação. Independente de sua escolha sobre a utilização do contrato, lembre-se de identificar possíveis problemas, e proporcione a melhor experiência de jogo possível para todos, incluindo você.