ATENÇÃO: Recebi da Evil Hat uma cópia em PDF do Fate Horror Toolkit para essa resenha. Essa resenha apresenta minha opinião sobre o mesmo e pode não ser totalmente precisa.
FATE HORROR TOOLKIT
Uma das coisas que sempre se disse que Fate não aguentava bem é o horror: como Fate pressupõe personagens que sejam proativos, competentes e dramáticos, coisas que são
(na teoria) inversamente proporcionais ao que acontece em horror, e ao prover mecanismos de controle do destino dos personagens, o Fate não seria um sistema viável para lidar com horror de nenhum tipo.
Para tentar lidar com esse problema, a Evil Hat liberou recentemente o Fate Horror Toolkit (ou, em tradução livre, Guia de Ferramentas para Horror do Fate), mais um livro da série de Toolkits do Fate, que também incluem o System Toolkit (Ferramentas de Sistema) e o Adversary Toolkit (ainda não disponível no Brasil, o Guia de Ferramenta para Adversários). Em suas 151 páginas, ele tenta oferecer uma série de ferramentas para lidar com jogos de horror utilizando Fate, e de todos os gêneros: desde o velho e bom Splatter ao estilo Sexta Feira 13 ao Horror Cósmico dos Mitos de Cthulhu, passando pelo Horror Feminino (?!) ao estilo Carrie A Estranha e ao Spooky Horror de Goonies e do Scooby-Doo.
Seus oito capítulos são dedicados cada um a um subgênero de horror, onde todos os tropos do mesmo são quebrados. Entretanto, o primeiro capítulo, Gazing Into the Abyss, é bastante importante e lida com um assunto sensível não apenas nos jogos de horror, mas no RPG em geral: a segurança em mesa, ao ponto de lembrar que o fato de ser um jogo de horror não lhe dá direito de ser horrível. Jogos de horror já lidam pela sua natureza com inseguranças e preconceitos diversos. Basta ver alguns tropos comuns de horror, como o famoso fato de que o personagem de uma minoria (negro, oriental, LGBT) normalmente é o que morre primeiro, e assim por diante. Embora o livro ofereça algumas ferramentas que beiram esse tipo de situação EM JOGO (como a possibilidade de usar Gaslighting contra protagonistas femininas), isso de modo nenhum implica em uma autorização para ser preconceituoso, misógino ou de outras formas um completo babaca. O objetivo é que os jogadores criem uma história de horror, mas isso não é uma autorização para os jogadores ou o narrador serem escrotos.
Dito isso, ele enfatiza a importância de estabelecer-se os limites usando uma boa Sessão 0 para criar o cenário e determinar o que pode ou não aparecer. Para isso, ele reafirma ferramentas como os Limites e Véus (que aparecem em jogos como Violentina), o X-Card e o Script Change, ambas descritas em seus fundamentos ao final do livro em Apêndices específicos. Além disso, ele estabelece princípios do Horror, como o fato de ele ser transgressor, demandar engajamento, ser algo que depende de isolar e remover o poder dos personagens, e de lidar com incerteza e suspense. Ele faz também uma série de considerações sobre como lidar com as ferramentas propostas no livro, e como lidar quando os jogadores ficam desconfortáveis com o que acontece.
Dito isso, ele enfatiza a importância de estabelecer-se os limites usando uma boa Sessão 0 para criar o cenário e determinar o que pode ou não aparecer. Para isso, ele reafirma ferramentas como os Limites e Véus (que aparecem em jogos como Violentina), o X-Card e o Script Change, ambas descritas em seus fundamentos ao final do livro em Apêndices específicos. Além disso, ele estabelece princípios do Horror, como o fato de ele ser transgressor, demandar engajamento, ser algo que depende de isolar e remover o poder dos personagens, e de lidar com incerteza e suspense. Ele faz também uma série de considerações sobre como lidar com as ferramentas propostas no livro, e como lidar quando os jogadores ficam desconfortáveis com o que acontece.
CAPÍTULOS
A seguir, em sete capítulos, o livro discorre sobre estilos diferentes de horror e ferramentas a serem usadas para cada tipo de horror, sendo que cada capítulo inclui referências cinematográficas e de literatura relacionada com a temática do capítulo e regras relacionadas à temática do mesmo.
· Capítulo 2: The Raveled Sleeve of Care – O que levar em consideração ao criar seu jogo de terror
· Capítulo 3: Some Scars Are Invisible – Danos psicológicos e características do horror e seu impacto na mente
· Capítulo 4: Who’s Who of the Damned – Como criar monstros e ameaças de diversos tipos, incluindo metamorfoses bizarras e organizações malignas
· Capítulo 5: We Are All Going to Die – como lidar com jogos onde a Perdição é garantida ou possui uma chance minúscula de ser evitada, mesmo que a grande custo
· Capítulo 6: The High Cost of Living – lidando com horror de sobrevivência
· Capítulo 7: Horror Is the New Pink – como lidar com um horror mais intimista e feminino (definição do livro, não minha), onde o horror pode estar na condescendência das pessoas ao seu redor
· Capítulo 8: Spooky Fun – formas de lidar com terrir ao estilo Scooby-Doo, ou horrores que podem ser vencidos pelos personagens, ainda que não seja tão fácil
Cada um dos capítulos, por sua vez, envolve uma série de novas regras e detalhes sobre como usar as regras do Fate nas condições demonstradas, coisas como:
· Sacrifício Heroicos com personagens que deixam Aspectos de Legado ou que podem voltar como Fantasmas
· Reconstruções e Forçadas Ampliadas que podem ampliar Pontos de Destino Comunais que podem ser usados no futuro
· Dilemas Morais que podem colocar os personagens contra a parede com decisões realmente terríveis
· Regras sobre Traumas, que impactam o jogador enquanto ele está Lidando com os mesmos
· Regras para o Horror Visceral e com Corações Embrutecidos de tanto ver corpos despedaçados e coisas bizarras
· Um ótimo fractal para criar-se Monstros, muito baseado (como muitas outras regras) nas Condições de Dresden Files Accelerated, com definições de Propósitos e Fraquezas, além de trazer alguns exemplos óbvios, como Vampiros, Assassinos Picotadores ao estilo Jason e Leatherface, Enxames Assassinos como os de Os Corvos, e Criaturas Criadas pelo Ser Humano ao melhor estilo Frankenstein
· Um sistema bem interessante para situações de metamorfoses bizarras ao estilo A Mosca ou Shadow Over Innsmouth, ou mesmo ao estilo Alien com o Chestbuster, além de incluir partes corpóreas que possam agir de maneira independente, um tropo que foi usado até mesmo em Harry Potter;
· O Outro, um bom fractal para criar-se organizações ou criaturas que são antagonistas terríveis contra os seres humanos, sejam eles criaturas como ao estilo Eles Vivem, ou mesmo um sistema opressivo ao estilo 1984 ou Corra!, incluindo não apenas a criação do mesmo, mas também como lidar com o mesmo em uma campanha de horror;
· Ferramentas para lidar com O Destino Inevitável, seja um Asteroide caindo na Terra, seja um Culto trazendo o Mal Ancestral que Dorme em sua Cidade Sob o Mar. Para isso, ele trás uma ferramenta de jogos Powered by The Apocalypse, o Doom Clock. Além disso, inclui-se um Quinto resultado para os dados: a Falha com Estilo, quando o rolamento falha por 2 ou mais.
Ela não dá a opção de Sucesso a Custo, pois na prática equivale a dar à oposição um Sucesso com Estilo.
· Regras para Cicatrizes e Danos mais permanentes, como amputações e similares.
· Todo um framework de regras para Survival Horror, em especial representado pelos jogos de Apocalipse Zumbi, onde não existe Estresse e recuperar Consequências não é fácil: é necessário angariar recursos Consumíveis e usá-los para realizar essas (e outras) ações. Além disso, cada jogador recebe alguns NPCs que eles podem usar como “bucha de canhão”, embora seja interessante tornar a coisa mais impactante fazendo os jogadores interagirem com os mesmos. Também inclui-se regras para Abrigos, incluindo como os Monstros lá fora podem os invadir;
· Um Framework para campanhas de horror íntimo e feminino, onde os horrores podem não apenas envolver as personagens enlouquecendo, mas sendo tratadas de maneiras terrivelmente condescendentes por seus algozes (Gaslight, alguém?), além de lidar com temas sobre abusos de todas as ordens, incluindo sexual;
· E um Framework para Spooky Horror, aquele “terrir” que vemos em coisas como Scooby-Doo, ou aquele horror mais light e tendente a aventuras de Goonies, embora aqui também possa cair no nível de Stranger Things, incluindo toda uma nova série de Perícias/Abordagens do seu Currículo Escolar e regras para Coragem e como ela se desenvolve dentro do grupo conforme eles descobrem do que se trata a Ameaça apresentada;
OPINIÃO PESSOAL
Quem me conhece sabe que não sou exatamente alguém muito afeito ao horror, tanto como narrador como enquanto jogador. Entretanto, o Fate Horror Toolkit me surpreendeu positivamente, pois o que ele traz não é apenas útil para jogos visando o horror, mas para jogos onde alguma parcela de suspense e horror podem ser interessantes.
Em 151 páginas, ele traz um arcabouço de ideias que permitem ao narrador trabalhar todo tipo de fator que se espera em jogos de horror ou com alguma pegada de horror. Regras como a de Reconstruções e o Doom Clock podem ser muito úteis não apenas em jogos de horror, mas em outros tipos. Um exemplo: Reconstruções certamente poderia ser muito divertido em jogos de investigação criminal ao estilo CSI ou Criminal Minds. O Doom Clock pode ser muito útil em um jogo de ação apocalíptica ao estilo Armageddon ou Impacto Profundo e por aí afora.
Quanto ao horror, o Toolkit mostra muitas ferramentas que podem ser muito úteis para aqueles que desejam tocar todo o tipo de campanha de horror em Fate. Além disso, ele também faz muitas considerações importantes sobre como lidar com o Horror em Fate, inclusive incitando a, aos poucos, eliminar as competências dos personagens, isolá-los e com isso criar o clima de horror. Isso não vai contra ao que o Fate prega, muito pelo contrário: não é que você seja incompetente, mas os horrores podem ser tão estupidamente poderosos, que diante deles você é tão competente quanto um micróbio.
O Horror Toolkit é definitivamente um produto extremamente maduro e interessante para qualquer narrador de Fate: falo isso pois estava torcendo o nariz para ele, já que costumo dizer que Horror é meu X-Card. Entretanto, as ferramentas que ele provê podem ser usadas em toda gama de jogos, não apenas de horror.
No Horror, ele se demonstra competente em fornecer ferramentas e dicas para que o Narrador conduza seus jogos de maneira proveitosa e segura! Essa é uma questão importante: horror é um tema que normalmente dança com os limites de nosso imaginário e de nossa psique. Desse modo, oferecer mecanismos que garantam que tais limites não sejam extrapolados de maneira perigosa é fundamental e o Horror Toolkit procura oferecer tais ferramentas ao narrador.
O Toolkit permite conduzir todo tipo de horror, desde o terrir de Scooby Doo a horrores de nível lovecraftiano sem muitos problemas, já que a grande gama de ferramentas e ideias permitem ao narrador adaptar o jogo para suas necessidades, incluindo regras conforme sua necessidade, já que ele abarca todos os estilos e tropos básicos do Horror.
Se existe um ponto fraco no Horror Toolkit, ele está no próprio nome: ele não é para ser entendido como algo pronto, embora existam alguns frameworks já mais ou menos fechados sobre como conduzir certos estilos de campanhas de horror, como no caso dO Outro, do Terrir e do horror intimista em Horror is the new Pink. Ele, como todos os Toolkits, provê ferramentas, e cabe ao Narrador utilizar aquelas que ele considera mais interessantes. Isso exigem, por um lado, um certo jogo de cintura do Narrador, ainda que as ferramentas sejam bem descritas e que um narrador que conheça minimamente os tropos de horror, mesmo não sendo habituado ao mesmo (como eu), seja capaz de aproveitá-las. Por outro lado, por essa atomicidade nas mesmas, cada uma das diversas ferramentas incluídas (e são MUITAS) podem ser inseridas e removidas do jogo conforme a necessidade. Isso é importante pois certas ferramentas, como as relacionadas a metamorfoses, cicatrizes, impregnações e similares podem chocar demasiadamente o jogador, e deveriam portanto serem suprimidas ou terem seu uso reduzido.
CONCLUSÃO
Por fim, posso dizer que Fate Horror Toolkit é um produto 4.5 de 5: ele não é um produto pronto e nem se propõe a ser, sendo ferramentas que o narrador pode usar para agregar a seu jogo um clima mais sinistro ou um horror mais próximo do desejado. Mas demandará um cuidado grande do narrador, pois o abuso das mesmas, até pela própria característica do gênero de horror, pode resultar em problemas seríssimos, não apenas dentro como fora de jogo.
Essa matéria foi escrita por:
Fábio Emilio Costa